Quilombos: Resistência e Luta pela Terra

Neste espaço, buscamos explorar as intersecções entre justiça social, ambiental e política, com um olhar crítico sobre como raça e classe moldam essas questões. Ao discutir temas de sustentabilidade e meio ambiente, é essencial entendermos também as estruturas históricas de opressão e resistência, como as dos quilombos.

Esses exemplos de organização social têm muito a nos ensinar sobre resiliência e o desejo de construir alternativas de vida em um mundo que impõe tantas desigualdades. O reconhecimento das lutas quilombolas nos conecta à questão atual da justiça ambiental e territorial, reafirmando o compromisso deste blog com a visibilidade das causas de povos historicamente marginalizados.

Essa conexão entre a história dos quilombos e a realidade contemporânea nos permite refletir sobre como as questões ambientais e sociais estão entrelaçadas. Assim como os quilombolas lutaram pelo direito à terra e autonomia, hoje, comunidades marginalizadas continuam a enfrentar desafios semelhantes no contexto da preservação ambiental e da sustentabilidade.

Para compreendermos melhor essas lutas, é fundamental traçar uma linha histórica que remonta à formação dos quilombos nas Américas e, em especial, no Brasil.

Uma Breve História dos Quilombos nas Américas e no Brasil

Entre os séculos XVI e XIX, a escravidão nas Américas era um sistema social e econômico brutal, no qual africanos eram trazidos para o “Novo Mundo” como escravizados, passando por um processo de aculturação e objetificação. No entanto, a história mostra que houve resistências significativas a esse sistema, incluindo a formação de quilombos – comunidades formadas por africanos fugitivos que rejeitavam as condições impostas pela escravidão.

No Brasil, assim como em outras regiões das Américas, os quilombos se destacaram como exemplos de resistência. Eles criaram redes de apoio mútuo, desenvolvendo economias de subsistência e formas de organização social próprias. A luta por territórios, conforme destaca Richard Price (1999), foi uma constante para essas comunidades. Os quilombolas buscavam manter o controle sobre suas terras para a prática da agricultura, caça e pesca, criando uma cultura autônoma e desvinculada das classes dominantes.

Quilombos no Brasil: A Formação das Comunidades Resistentes

Quilombos: Resistência e Luta pela Terra

No contexto brasileiro, as primeiras comunidades de escravos fugitivos foram denominadas “mocambos”, antes de serem conhecidas como quilombos. Essas comunidades, como descreve Flávio dos Santos Gomes (2015), surgiram a partir da fuga de escravizados para regiões isoladas, onde podiam formar estruturas socioeconômicas independentes.

Geograficamente, os quilombos se adaptaram aos recursos disponíveis em suas regiões. Na Amazônia, predominava o extrativismo; no Centro-Oeste, a mineração; e no Sul do Brasil, a pecuária. Contudo, os quilombos agrícolas eram os mais comuns, com plantações de mandioca, milho, algodão, entre outros. Essas comunidades mantinham redes de troca com a população local, garantindo sua sobrevivência e resistência contínua, apesar dos conflitos frequentes.

Pós-Abolição: Invisibilidade e Estigmatização

Com o fim da escravidão, em 1888, as comunidades quilombolas enfrentaram novos desafios. A abolição formal não trouxe inclusão social ou econômica para os ex-escravos. Segundo Flávio dos Santos Gomes (2015), a invisibilidade política e social dessas comunidades foi reforçada pela ausência de políticas públicas que reconhecessem seus direitos.

A estigmatização dos quilombolas como “ex-escravos” também contribuiu para a marginalização dessas populações. A falta de reconhecimento formal das comunidades quilombolas no Brasil pós-abolição intensificou a exclusão dessas pessoas dos processos de cidadania e de direitos territoriais.

Lutas por Reconhecimento: O Impacto da Constituição de 1988

Somente no final do século XX, com a mobilização de ativistas e organizações negras, como a Fundação Palmares, houve avanços significativos no reconhecimento dos direitos quilombolas. A Constituição Federal de 1988 foi um marco nesse processo, ao reconhecer, no artigo 68 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias (ADCT), o direito à propriedade definitiva das terras ocupadas por comunidades quilombolas.

Essa vitória representou o reconhecimento formal das comunidades que, por séculos, haviam sido marginalizadas. A luta por seus direitos territoriais foi impulsionada por movimentos sociais e políticos, resultando em importantes avanços no campo da reforma agrária e do reconhecimento das questões raciais no Brasil.

A Autoafirmação e a Valorização da Cultura Quilombola

Nos anos subsequentes à Constituição de 1988, as comunidades quilombolas começaram a recuperar sua identidade e visibilidade. A autoafirmação como quilombolas e afrodescendentes tornou-se um elemento central para a revitalização de suas culturas e tradições. Como descrevem Mintz e Price (2003), essas comunidades refizeram suas próprias identidades ao longo do tempo, moldando-se conforme as condições impostas, mas sem perder a essência de sua herança africana.

Ainda hoje, os quilombos são um símbolo de resistência e autodeterminação, um legado vivo da luta contra a escravidão e pela liberdade.  Além de serem protagonistas no combate ao desmatamento e à exploração descontrolada dos recursos naturais. Enfim, a história dos quilombos continua a ser uma fonte de inspiração para movimentos sociais contemporâneos, que buscam a preservação cultural e a garantia de direitos para as populações negras no Brasil e nas Américas.

Referências

GOMES, Flávio dos Santos. História dos quilombos no Brasil. São Paulo: Companhia das Letras, 2015.

INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA (IBGE). Brasil 500 anos. Disponível em: https://brasil500anos.ibge.gov.br/. Acesso em: 9 set. 2024.

MELLO, Marcelo Moura. Quilombos: resistência, luta e reconhecimento no Brasil. São Paulo: Editora Brasiliense, 2012.

MINTZ, Sidney W.; PRICE, Richard. A cultura afro-americana: História e análise. São Paulo: Editora 34, 2003.

PRICE, Richard. Maroon Societies: Rebel Slave Communities in the Americas. Baltimore: The Johns Hopkins University Press, 1999.

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