O conceito de economia circular vem ganhando relevância globalmente como uma alternativa sustentável ao modelo econômico linear. No Brasil, essa abordagem apresenta um enorme potencial para transformar não apenas o consumo, mas também a produção em diversas indústrias, como a de alimentos, moda e construção civil.

A economia circular oferece um caminho para a redução do impacto ambiental ao mesmo tempo em que incentiva a criação de valor econômico, social e ambiental, essencial em um país que enfrenta desafios como a exploração excessiva de recursos e a desigualdade socioeconômica.

O Que É a Economia Circular?

A economia circular é um modelo que visa “fechar o ciclo” dos produtos, reutilizando, reciclando e prolongando sua vida útil, em vez de seguir a lógica linear de “produzir, consumir e descartar”.

No Brasil, essa abordagem pode ter impactos profundos, especialmente considerando a quantidade de resíduos gerados e o desperdício de recursos naturais, que resultam em graves problemas socioambientais.

Segundo um estudo exclusivo realizado para a série Além do Lixo, da Folha de São Paulo, o Brasil produz cerca de 80 milhões de toneladas de resíduos sólidos por ano, dos quais apenas 4% são reciclados. A transição para uma economia circular poderia reduzir significativamente esses números, ajudando o país a avançar em direção a um futuro mais sustentável.

Economia Circular no Brasil: Oportunidades e Desafios

O Brasil tem um enorme potencial para adotar práticas de economia circular, graças à sua riqueza em recursos naturais e à diversidade de seus ecossistemas.

No entanto, o cenário também apresenta desafios, como a falta de infraestrutura adequada para reciclagem e a resistência cultural ao reaproveitamento de materiais.

Apesar dessas barreiras, algumas indústrias já estão inovando ao integrar princípios da economia circular, encontrando maneiras criativas de transformar esses desafios em oportunidades.

• Indústria de Alimentos: Um dos setores mais promissores para a economia circular no Brasil é o de alimentos. A agricultura, sendo uma das principais bases econômicas do país, também é uma das áreas que mais gera desperdício. Iniciativas como o reaproveitamento de resíduos agrícolas para a produção de biogás e fertilizantes orgânicos já estão sendo implementadas em algumas regiões. Um exemplo é o projeto da Usina Verde, que transforma resíduos orgânicos em energia e adubo orgânico .
• Moda Sustentável: O setor de moda também tem se destacado. No Brasil, marcas como Refazenda estão liderando a transição para a economia circular na moda. Essas empresas reutilizam materiais reciclados e incentivam a economia de baixo impacto, criando produtos com foco em durabilidade e sustentabilidade. A Insecta Shoes, por exemplo, fabrica calçados veganos. Já a Refazenda cria roupas a partir de tecidos reciclados, contribuindo para a redução de resíduos têxteis .
• Construção Civil: A construção civil é outro setor que pode se beneficiar significativamente da economia circular. Empresas brasileiras como Trisoft têm adotado o reaproveitamento de resíduos na fabricação de isolantes térmicos e acústicos. Essa prática não apenas diminui o impacto ambiental da construção, mas também gera economia de custos, criando um modelo mais sustentável para o setor.

Impacto Social e Ambiental

A adoção de práticas circulares no Brasil vai além da economia e da sustentabilidade ambiental — ela também tem um impacto direto nas questões sociais. A reciclagem e o reaproveitamento de materiais geram empregos, principalmente para populações vulneráveis, como os catadores de materiais recicláveis, que desempenham um papel fundamental no ciclo de reutilização de resíduos no país.

De acordo com o um estudo realizado pelo Instituto Veredas, há mais de 800 mil catadores no Brasil, muitos dos quais vivem em condições de extrema pobreza. A formalização e ampliação do setor de reciclagem, aliado à economia circular, poderia melhorar significativamente as condições de trabalho e renda dessas pessoas, ao mesmo tempo em que promove uma gestão de resíduos mais eficaz.

Empresas Brasileiras Que Adotam a Economia Circular

Algumas empresas brasileiras estão se destacando na adoção da economia circular, promovendo inovação e sustentabilidade em seus processos produtivos.

• Natura: A gigante de cosméticos brasileira tem sido um exemplo global de práticas circulares. A empresa adota políticas de refil para seus produtos, o que reduz a quantidade de embalagens descartadas. Além disso, Natura utiliza ingredientes da biodiversidade amazônica de forma sustentável, garantindo que os recursos naturais sejam utilizados de maneira responsável e que as comunidades locais sejam beneficiadas.
• B2Blue: Esta plataforma brasileira atua no mercado de resíduos, conectando empresas que desejam vender seus resíduos para outras que possam reaproveitá-los como matéria-prima. A B2Blue tem ajudado a reduzir a quantidade de resíduos industriais descartados, promovendo uma economia mais circular em diferentes setores produtivos.
• Boomera: A Boomera desenvolve soluções para a reciclagem de resíduos complexos, como cápsulas de café e embalagens flexíveis. Por meio da inovação, a empresa transforma esses resíduos em novos produtos, fechando o ciclo produtivo de forma eficiente.

O Papel dos Consumidores

Para que a economia circular se estabeleça de forma ampla no Brasil, é fundamental que os consumidores mudem seus hábitos de consumo. Optar por produtos com maior durabilidade, apoiar empresas que praticam a reciclagem e reutilização, e reduzir o consumo excessivo são passos essenciais.

Além disso, o conceito de economia compartilhada também vem crescendo, com iniciativas como aluguel de roupas e compartilhamento de ferramentas, que permitem um uso mais racional dos recursos.

De acordo com um relatório do Instituto Akatu, 76% dos brasileiros estão dispostos a adotar práticas de consumo sustentável, mas ainda falta informação e acessibilidade para que essas práticas sejam implementadas no dia a dia da maioria da população.

Políticas Públicas e Incentivos

No Brasil, a Política Nacional de Resíduos Sólidos (PNRS), aprovada em 2010, representa um marco regulatório importante para promover a economia circular. A lei incentiva a redução de resíduos e a logística reversa, responsabilizando os fabricantes pela gestão do ciclo de vida de seus produtos.

No entanto, é necessário que as empresas e governos ampliem as ações para efetivar os princípios da PNRS de forma prática e acessível para a população.

A economia circular representa uma solução viável e urgente para os desafios ambientais e sociais do Brasil. Com a adesão de empresas inovadoras e consumidores conscientes, essa transformação pode ser acelerada, criando um futuro mais sustentável.

O Brasil, com sua vasta biodiversidade e potencial produtivo, está em uma posição estratégica para liderar essa mudança, mas isso exige esforços coordenados entre setores públicos, privados e sociedade civil.